Crônica: Tênis francês

Por Claudius Brito – Alguns vão se lembrar do comercial do primeiro soutien (ou, sutiã). Uma moça tímida recebe de presente a peça. E, depois de vestir o acessório feminino, sai na rua, poderosa, e a voz do locutor, diz: – O primeiro Valisére a gente nunca esquece.

Não me esqueci do comercial. Afinal, foi muito marcante (e ousado) para a época.

Mas, essa introdução foi para lembrar de um outro fato, nem tão ousado e nem tão marcante. Mas, foi comigo.

Quem de nós, na infância e na adolescência, não sonhou em ter uma roupa, um acessório da moda, de marca.

Quando completei 15 anos de idade, ganhei de presente um suspensório para colocar na calça e ficar estiloso, feito John Travolta, dois anos antes em Stayin´Alive, canção dos Bee Gees que fez sucesso em “Os embalos de sábado à noite”.

Leia também: Projeto de Lei reconhece cães e gatos como seres sencientes e com natureza jurídica

Até aí tudo bem. Se voltar a fita um pouquinho, quando criança meus país me presenteavam com um “robusto” e “chulezento” Kichute nos natais. E o presente era para ser usado, um pouco mais adiante, no início das aulas.

Era “pau pra toda obra” o tal kichute: ia para aula, fazia educação física e saía com ele nas horas de folga.

Mas, a gente sonhava com outras coisas. Por quê, não, sonhar?

Uma época, me sai da memória o ano. Contudo, surgiu no sonho de consumo do pessoal daquela época um tênis francês da marca Le Coq Sportif. Era, de fato, um sonho, porque era caro para as nossas possibilidades.

O tal Le Coq tinha como marca um galo. Só muitos anos depois fui saber que, de fato, se tratava de uma marca muito tradicional, com mais de 130 anos de mercado.

Um dia, confidenciei com minha saudosa mãe que o Le Coq era um sonho que eu acalentava. Não foi com essas palavras. De imediato, ela não deu resposta e aquilo ficou no ar. Mas, dias (ou meses) depois ela chegou a mim e disse que iria transformar aquele meu sonho em realidade.

Trocando em miúdos, prometeu-me dar um dinheiro para comprar o tênis. E, assim, foi feito! Meu coração acelerou. Não conseguia pensar em nadas além do Le Coq que estava por vir.

Até que o dinheiro estava em minha mão e, com ele, a imensa responsabilidade em fazer a aquisição do produto.

Devo, aqui, dizer, da participação do meu pai que foi fundamental. Afinal, ele era o financiador. E não tinha como não ser, com minha mãe no pé.

Contudo, deu tudo certo. Era o que importava.

Saí em desabalada carreira em direção ao centro da cidade, na Rua Manoel D´Abadia, onde se localizavam as melhores sapatarias, então.

Entrei numa delas onde tinha visto o tênis com a marca do galo. Me sentindo o mais importante, fiz e compra e paguei em espécie.

Voltei correndo, como havia saído de casa e logo coloquei o pisante para estrear. Andei, corri e me exibi com os amigos da Praça das Mães.

O dia de muitas e boas emoções estava chegando ao fim. Tinha de voltar para casa para dormir.

Ao chegar, já cansado, tirei o tênis e uma coisa me chamou a atenção: a marca não era um galo. Mas, sim um cavalo.

Atônito, descobri que comprei um Le Cheval, um “similar”, ao invés de um Le Coq legítimo.

Aí, não dava para voltar atrás, porque já passara o dia todo dando tudo com o pisante.

Decepcionei-me comigo mesmo. Como pude não observar? Putz, gastei mal o dinheiro de mamãe.

Sonhei tanto com o galo e acabei levando um cavalo. Não contei a ninguém essa “proeza” e fingi que meu Ler Cheval era um Le Coq.

E, no final das contas, o tênis- como se diz: durou até acabar.

Mas, foi bom. Pelo menos melhor do que o Kichute. Que, afinal, não era tão ruim assim. Tirando, claro, o chulé.