Crônica: A viagem das rapaduras

Tem coisa melhor do que lembrar de história de viagem? Tem não, ainda mais de essa viagem for para Lizarda, Estado do Tocantins. Terra de nascimento de minha mãe e de coração de meu pai.

Era comum a gente passar lá 20 ou até 30 dias nas férias de fim de ano. Mas, dessa vez, não. Fui com um primo da cidade de Miracema, o Maurício. A ida foi bem, aquela viagem de ônibus de várias horas para percorrer, aquele calorzinho básico. A estrada de muita areia e belas paisagens.

Algumas pontes eram bem precárias e, para não ter risco, todo mundo descia e só o motorista passava.

Lá no Rio do Sono, nova descida para a travessia em uma balsa amarrada por cabos de aço. Dava arrepio, porque o rio pelo que se falava era bem profundo, inclusive, a água bem escura.

Mas, seguimos a viagem, passando pelo povoado da Mansinha e, finalmente, já de noite a chegada em Lizarda.

Lá, nos dias seguintes, fizemos aqueles programas básicos: ir a pé para tomar banho no Maragojipe, um Ribeirão distante cerca de 6 quilômetros da cidade. Além disso, a subida nos morros. Tinha um bem próximo, com uma cruz no alto, que era o ponto da chega e o outro, bem alto e plano em cima, que oferecia uma paisagem inesquecível. Soltávamos uns foguetes e fazíamos a descida.

Claro, tinha as visitas também para filar boia na casa dos tios e tias. Diga-se de passagem, comida boa sempre: uma carne seca, um frango de caldo e por aí vai.

Mas, os dias se passaram e é chegada a hora de ir embora. De novo, nós no ônibus para voltar à Miracema. Na casa de vovó foi providenciado aquele frito para comer na parada do almoço, no Rio Preta.

Antes da viagem, um amigo de meu pai, conhecido como “Véi” Felix, uma pessoa de bom coração e um contador de causos, deu-se uma caixa grande de rapadura. Era para ser entregue ao meu pai. Carga preciosa.

A viagem dava-se de forma relativamente tranquila, até que o ônibus atolou na areia e na tentativa de sair, o carro acabou quebrando lá no meio do nada, quase um deserto. O motorista desceu, olhou e decretou a quebra de uma peça do eixo.

Daí, teve que retirar e esperar que passasse ali um outro veículo que pudesse fazer o transporte da peça. Na época, carro pequeno não andava por lá, era mais caminhonetes e caminhões mesmo.

E ali ficamos, veio o cair da tarde e a chegada da noite. O frito já tinha ido embora. No outro dia, os passageiros já estavam meio inquietos, porque a fome começava a bater.

Alguns saíram e foram andando até descobrirem uma casa simples de roça, que tinha um córrego próximo. As mulheres e crianças foram para lá e o dono, solícito, providenciou uma refeição com feijão de fava e carne de caça.

Mas, não dava para todos. Um carro passo e levou a peça, mas ainda tinha de consertar e depois arrumar outro carro e trazer a peça.

Nesse meio tempo, a fome bateu e aí não tinha jeito, revelei a carga preciosa de rapadura. Guardei uma peça para meu pai, mas todo o resto servimos como refeição. Ainda bem, sem querer, o “Véi” Felix salvou todo mundo da fome.

Nós chegamos a Miracema no quarto dia após a saída. Nas noites, ainda tinha as histórias de um carro assombrado que vezes ou outras rondava aquelas estradas. Felizmente, ele não apareceu.

Chegamos à Miracema depois de quatro dias na estrada. Uma aventura e tanto, que certamente ficará todo sempre na memória e aqui o seu registro.

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