Crônica: Brasília, Kombi e frango

Por Claudius Brito- Estranho este título: o que Brasília, Kombi e frango têm em comum? Aparentemente, nada! Aparentemente, porque a cidade, o carro e a ave fazem parte de uma história da infância. E isso é uma riqueza que a gente carrega pelo resto da vida.

Quando se é criança, não tem aventura melhor do que uma viagem em família. E, para nós, era um grande dia quando tínhamos no roteiro uma ida a Brasília, visitar os irmãos mais velhos que moravam na Capital Federal e estudavam na UnB.

A primeira coisa era dormir cedo, porque a viagem começaria de madrugada e meu pai era corretíssimo no cumprimento do horário. Vamos sair às 5 horas. Então, eram 5 horas, mesmo! Apesar da enrola da minha mãe. Porém, tudo dava certo.

Família grande, carro grande. E a nossa condução na viagem era uma Kombi, um veículo utilitário onde cabiam pelo menos umas 11 pessoas sentadas (três na frente, com o motorista e oito distribuídos nos dois bancos de trás). Nós, as crianças, gostávamos mesmo era de ir lá atrás, no bagageiro.

Mesmo com o barulho quase ensurdecedor do motor possante. Uma máquina: velocidade máxima de 120 km/h. Lógico que não andávamos nem perto disso. Era, no máximo, 80 km/h e olha lá. Nas subidas, dava vontade de sair para empurrar ou, então, ir a pé que era mais rápido.

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Por isso, as viagens a Brasília, em pista única na BR-153/060, eram longas e cansativas. Mais ou menos, umas quatro horas para andar em torno de 130 km. E, às vezes, até um pouco mais quando fazíamos paradas ou tinha de trocar um pneu furado.

Mas, tudo era festa. Passava Abadiânia; passava Alexânia e logo estaríamos entrando no trecho temido, chamado de Sete Curvas. Eram sete curvas, como descrito no nome, bem acentuadas. Na ida, uma grande subida e, na volta, uma grande ladeira tortuosa, onde os acidentes eram muito frequentes.

Vários e vários relatos de mortes. E ali, talvez, era o pico da aventura da viagem. A Kombi era lenta, o tráfego pesado. Era preciso, então, muito cuidado.

Mais algum tempo avistaríamos Brasília, a jovem Capital Federal, com os traços arquitetônicos de Oscar Niemeyer. Estamos falando de meados e final da década de 1970. A cidade foi inaugurada em 1961.

Meus pais presenciaram tudo desde o início e se emocionavam sempre quando chegávamos à bela cidade, com os prédios dos ministérios, os imponentes palácios dos poderes, a catedral.

E, claro, o nosso local preferido, a torre de TV. Até hoje, é empolgante a vista de Brasília daquele local. Nós, crianças, gostávamos mesmo era do frio na barriga que dava estar num local alto. Mais alto do que subiam as pipas dos vendedores desse artigo na feira que ficava próxima.

Aliás, uma feira bem grande com artesanato e comida. Mas não tínhamos esse luxo.

O ponto máximo ainda estava por vir: iríamos para a casa dos irmãos, uma república de estudantes, mais ou menos arrumada para a nossa chegada. Os móveis eram poucos, algumas camas de campanha (peça que, acredito, já nem existe hoje); as mesas de estudo, enfim, um apartamento de estudante mesmo, sem luxo.

O que tanto aguardávamos era o almoço: frango assado. Cheiroso, delicioso! Os olhos até brilhavam. Felicidade maior ainda, era ficar com o pedaço da coxa com a pele bem assada. Não tinha nada melhor.

Era tudo tão simples, mas era isso que dava o tempero a tudo. Era o sabor daquelas viagens inesquecíveis.

Depois da “mesa farta”, não podendo ficar muito tarde, fazíamos o caminho de volta: Sete Curvas (de descida); Alexânia; Abadiânia; Anápolis, nosso destino final. Chegávamos exaustos, no entanto, recompensados com aquele domingo: o passeio de Kombi em Brasília e o banquete de frango. Quer, melhor?