Há 50 anos, Rádio Carajá era invadida com metralhadoras para calar a “tribuna do povo”

Por Claudius Brito (Publicado no Jornal CONTEXTO)- A ditadura militar era implacável contra aqueles que insurgiam de alguma forma contra ela. Não foi diferente em Anápolis.

Por aqui, naquela época, haviam vozes a serem caladas, vozes que incomodavam e que eram portadoras da expressão do pensamento de parcela da sociedade insatisfeita com o chamado regime de “linha dura”.

Essas vozes ecoavam através das ondas médias, ou seja, no rádio.

Por trás dos microfones, os irmãos Santillo- Romualdo, Adhemar e Henrique (os dois últimos já falecidos) – comandavam o programa “O Povo Falou, Tá Falado!”, inicialmente, na Rádio Carajá, primeira emissora a entrar no ar de forma oficial no Município. Depois, na Rádio Santana.

O programa e as respectivas emissoras entraram na mira da ditatura e colocaram para a história episódios marcantes de como se travava o embate de então.

Uma parte dessa história está registrada num áudio da época gravado por Henrique e Adhemar Santillo.

Material esse que foi gentilmente cedido ao CONTEXTO pela ex-primeira-dama e ex-deputada Onaide Santillo, esposa de Adhemar, para esta reportagem.

Os fatos narrados por eles reportam ao dia 31 de janeiro de 1973, ou seja, há exatos 50 anos, quando ocorreu com a invasão aos estúdios da Rádio Carajá.

Henrique Santillo contou, nos microfones, que a emissora teve os seus transmissores “brutal e violentamente” invadidos pela Polícia, por determinação do então governador Leonino Caiado.

No relato, ele dizia que os policiais carregavam metralhadoras, “apontadas aos humildes funcionários”.

“Na madrugada de 31 de janeiro, tentava-se calar uma voz, a voz do povo. Tentava-se calar um programa que era a tribuna do povo…a tribuna mais autêntica do povo anapolino e porque não dizer, do povo goiano”, frisou.

Henrique Santillo continua sua narrativa dizendo que a partir dessa tribuna se fazia, à altura, denúncias para “colocar as arbitrariedades que eram cometidas, as corrupções e os desmazelos administrativos em todas as áreas”.

Na sequência, Henrique Santillo assinala que essa tribuna era sempre usada “com coragem e com determinação”. E, ainda segundo ele, sem baixar o nível e sempre “usando a linguagem do povo, que é a linguagem da legalidade, da autenticidade, da franqueza”.

Rádio Santana

Após esse episódio, os irmãos Santillo adquiriram a Rádio Santana e migraram para a nova frequência o programa, que continuou sendo marcado como uma espécie de trincheira de oposição ao regime.

Na segunda parte do áudio, Adhemar Santillo traz o relado sobre os fatos ocorrido, agora, na Rádio Santana.

Na sua transmissão, Adhemar inicia informando sobre a publicação ocorrida no Diário Oficial da União na página com informações relacionadas ao Ministério das Telecomunicações.

A publicação, dizia ele, se tratava de uma portaria (nº 314, de 7 der abril de 1975) assinada pelo então ministro Euclides Oliveira que, na prática, cassava a concessão para os serviços de radiodifusão em Anápolis.

Adhemar Santillo leu o inteiro teor da portaria, que ainda dizia: “O Departamento Nacional de Telecomunicações adotará as providências no sentido de interromper imediatamente os serviços objetos da permissão”.

E, na sequência, faz uma despedida do público nos microfones da emissora.

“De nossa parte, nosso muito obrigado a todos que nos acompanharam, a todos que estiveram conosco durante todo o tempo e, mais do que nunca, nós precisamos da cobertura e do apoio da nossa gente”.

Ainda na sua transmissão, Adhemar Santillo destacava que, apesar de naquele momento estariam sem uma emissora para defender os interesses do povo, essa condição, no entanto, não cessaria.

“Teremos, graças a Deus, a condição de defender esse povo através do mandado que esse mesmo povo deu a Henrique Santillo, como deputado estadual mais votado no Estado de Goiás. E eu, que recebi com muita satisfação e alegria uma grande votação para deputado federal”, pontuou.

Completando, Adhemar afiançou que a “dobradinha” na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal, continua sendo, dessa forma, o caminho “que estaremos usando para ser a tribuna do povo”.

“Obrigado e até uma nova oportunidade”, despediu-se Adhemar Santillo.

Uma das poucas imagens da Rádio Carajá

Um pouco de história das rádios Carajá e Santana

Conforme registro feito no livro “Rádio- a história sonora de Anápolis e seus personagens, de autoria do radialista Zé Cunha, a Rádio carajá entrou no ar , em caráter experimental, em dezembro de 1946, primeira emissora oficial da cidade e a segunda fundada em Goiás. A emissora foi fundada por João Simonetti e seu filho, Ermetti.

Inicialmente, a emissora funcionou nas dependências da Casa Odeom, mudando-se, em seguida para o prédio ao lado onde funcionava o Banco do Estado de Goiás (BEG).

Além dos fundadores, os primeiros diretores foram: Plínio A. Gonzaga Jayme, Eurípedes Gomes de Melo, Fernando Cunha Júnior e Félix Jayme Neto.

A Carajá deixou de existir, efetivamente, na década de 90, quando a frequência foi mudada para 770 Khz e seu nome para Rádio Voz do Coração

No dia 31 de dezembro de 1958, em caráter experimental, entrava no ar a Rádio Santana, em 1580 kilorertz, (ZYW-30), fundada pelos diretores da época da Rádio Carajá. Seu slogan inicial foi “a voz da família goiana”.

Sua inauguração oficial ocorreu no dia 26 de julho de 1959. Seus primeiros diretores foram Frei José Sulivan, Altamiro Santos, Petrônio Cruz e José Mateus de Souza.

Com a criação da Rádio São Francisco, os frades franciscanos, que, então, tinham o seu comando, cederam, a emissora, em 1971, para Ridivair Miranda e Paulo Dias, que dois anos depois o transferiram ao grupo Santillo.

Em 1975, a Rádio Santana teve a concessão suspensa em definitivo pelo Governo Federal, tal qual como, também, aconteceu com a Rádio Cultura, na mesma época.